09/01/2013

Julius Evola - O Espírito da Civilização Romana

por Julius Evola


Com o aparecimento de cada nova obra sobre a Civilização Romana, nós experimentamos uma certa sensação de incômodo: de fato, na maior parte, nós notamos livros desse tipo somente perfunctoriamente, eles não revelam qualquer ideia nova, eles repetem os clichês de velhas interpretações "positivistas", acrescentando somente o hype retórico de comemoração, assim produzindo um efeito patético, e qualquer significado verdadeiro que possua de nossa tradição original, não é tanto iluminado por escritos similares quanto trivializado e quase profanado.

Nós ficamos, portanto, felizes em remover, pelo menos uma vez, os preconceitos desse tipo ao ler um livro bastante recente de clareza cristalina escrito por Pietro De Francisci sobre O Espírito da Civilização Romana [Spirito della civilita romana, 1940]. Acima de tudo, começando com seus primeiros capítulos, nós temos que admitir: Finalmente há uma pessoa de autoridade que acerta no alvo e sabe o que deve ser considerado essencial na Romanidade. E nós também nos encontramos concordando totalmente com a justificativa dos livros, viz., que nenhuma revolução construtiva é uma criação a partir do nada, mas possui como condições o retorno a princípios e fatores elementares, que para nós só podem ser aqueles da tradição original de Roma. E De Francisci também muito corretamente critica aqueles que quebram nossa história em duas partes: a história de Roma e seu Império de um lado, e a história da Itália do outro.

Enquanto para Corradini, como também para De Francisci, Italianidade e Romanidade são uma mesma coisa, ou dito melhor: elas devem ser uma mesma coisa, com base em uma escolha decisiva de suas próprias vocações e tradições: isso é, nós devemos exaltar, considerar como nossas, e glorificar como "italianas" apenas aquilo que é de valor para nós em nossa história, como "romanas", e não ter qualquer leniência ou mitigação em relação ao resto. De Francisci corretamente diz que trazer juventude à consciência do poder e profundidade da corrente da Romanidade que se espalha por toda nossa história medieval e moderna, eliminando ideias erradas e destruindo novos e velhos preconceitos, significa buscar uma nutrição preciosa para a força ideal de nossa revolução.

Quem não vê o abismo que separa posições similares daqueles que, não obstante como De Francisci, tiveram que ter a direção do Istituto Nazionale di Cultura fascista - nós nos referimos a Gentile, que não hesitou em afirmar o que a Romanidade é para nós, mas apenas na retórica vazia de vida e conteúdo, porque para ele a verdadeira tradição italiana é identificada com uma série de pensadores suspeitos e rebeldes heréticos partindo da Renascença, como se na própria Itália fascista nenhum outro devesse ser visto e desejado exceto aqueles envolvidos no desenvolvimento da Itália de 1870? [quando a Itália foi unificada].

Como a premissa de seu tratado, De Francisci, seguindo uma ideia de Spengler, faz a distinção morfológica apropriada entre Cultura e Civilização. Cultura, tanto como fenômeno intelectualista, quanto como refinamento das condições materiais da vida de um povo, não tem nada a partilhar com Civilização, realidade. De Francisci escreve essa passagem bastante profunda:

"Civilização não é apenas uma manifestação das atividades intelectuais dominantes mas a expressão complexa e concreta de todas as energias do espírito: é não apenas a governante do homem em sua natureza exterior, mas é ao mesmo tempo o domínio do homem sobre sua própria natureza humana, a consciência de coordenação com outros homens, de subordinação a uma certa ordem hierárquica, e de dependência a um poder supremo, divino e transcendente".

É uma construção unitária e orgânica que, enquanto tal, até mesmo permeia o campo político, isto é, ela também pressupõe uma organização política como realizadora e promotora dos valores fundamentais subjacentes na própria base da organização. E nesse ponto especial, nós vemos o contraste entre a ideia de civilização e a concepção abstrata de "cultura", como entendida em sua compreensão moderna, na qual, a cultura seria um reino para si mesma, alienada de tudo que é "político", ao invés de ser a suprema força animadora e justificadora do político, como sempre aconteceu em todas as civilizações tradicionais e, na vanguarda, admitamos agora, na civilização romana.

Agora, De Francisci estuda o antigo mundo romano exatamente em relação à "civilização" nesse sigificado preciso. Roma era eminentemente "civilização" e sua grandeza deve nos falar no sentido desse ideal unitário e anti-intelectualista. Qual era a face específica de tal civilização? Quais são os elementos fundamentais, típicos e constantes de seu "estilo"? De Francisci considera quatro acima de todos:

Em primeiro lugar, clareza e simplicidade, fundada em uma intuição precisa e certeira da realidade, e não apenas da realidade visível, mas também - é o mérito de nosso autor reconhecê-lo - da realidade invisível.

"Enquanto os romanos eram realistas, eles jamais foram materialistas: assim poucos povos como os romanos levaram consigo por séculos a convicção da existência de uma vontade e um poder transcendente, aos quais as leis devem ser adaptadas e a conduta humana conformada. Mas clareza e simplicidade são os elementos de grandeza".

Essas se refletem - como o eco de algo eterno e separado dos pequenos eventos dos indivíduos, de tudo que é pathos e sensibilidade - no elemento monumental do mundo romano. Ademais, a unidade que conjuntamente é organicidade e solidez, fundada em um equilíbrio de forças e fatores, em um elo sábio que ultrapassa e abarca todas as variedades, distinções, complicações: unidade como poder formativo e organizador.

Uma ordem resulta daí, a qual, enquanto "foi experimentada como um sistema transcendente de princípios determinados pela própria natureza das coisas" (que é a antiga concepção ariana de cosmos ou rta), é expressa em um estilo rigoroso, definido e essencial: intolerância por tudo que é desordenado, incerto, subjetivo, disperso. Precisão e clareza predominam no ethos, mas não como somente uma norma humana, mas ao invés como a objetificação rigorosa de uma realidade suprassensível.

Nesse sentido, De Francisci corretamente se opõe àqueles que preferem retratar os antigos romanos como secos, carecendo de sentimento e imaginação. O que, apenas, permanece alienígena à alma romana, era o estéril subjetivismo que se rende aos caprichos do arbitrário em que cada energia moral é dispersa e dissipada:

"Mas não por essa razão é sua interioridade menos rica, que consiste acima de tudo na adesão do espírito às normas de uma Ordem superior".

Isso é demonstrado nas três virtudes de pietas, fides e gravitas. E, como nós mesmos em outras ocasiões enfatizamos, a falta de imaginação nos romanos é mais um signo de superioridade do que de inferioridade: é para ser tomado no sentido, como diz De Francisci:

"A imaginação dos romanos não é um jogo gratuito de ousadia intelectual, não é a criação de um mundo de imagens separado da realidade, mas um instrumento para selar essa realidade em formas bem definidas, para enquadrar e organizar suas forças".

A mesma coisa deve ser apontada em relação à acusação feita contra os romanos de terem degradado o pensamento em favor da ação. Mas sobre o que é esse pensamento? Ninguém nega a simpatia escassa dos romanos por construções teóricas. Mas a ação em si, quando se prova coerente, consistente e eficaz - nota De Francisci - não porta em si mesma o testemunho de um pensamento, ou melhor, de um poder superior de pensamento? Toda a história dos romanos está aí para demonstrar que eles acreditavam nesses valores e se atrelavam firmemente a princípios que, ao longo de sua experiência, foram definidos, tornados precisos, afirmados, e até mesmo assumiram uma importância e aplicabilidade cada vez mais universais.

Na ordem do elemento estrutural, há um elemento específico na "civilização" de Roma, isto é, uma hierarquia, na qual a preeminência é reservada a valores políticos: tudo é assumido e organizado na operação do Estado. Mas nós ficamos felizes em ver que De Francisci evitou uma falsa virada dupla na qual, nesse sentido, ele termina a maior parte das interpretações modernas da Romanidade. De fato, em primeiro lugar, tal preeminência do elemento político não deve de modo algum ser entendida segundo certas pretensões políticas modernas à primazia de um poder temporal sobre qualquer autoridade espiritual. Os elementos políticos e religiosos na Roma antiga estavam em uma união indissolúvel. O ponto de partida do romano era a consciência de que forças divinas e transcendentes existem e agem por trás de forças humanas e históricas. Assim o mais alto princípio da "política" romana, e consequentemente de cada determinação de vontade e ação, era o de conformar a vida individual e coletiva ao fas [lei divina]:

"A vontade divina revelada, que é a lei suprema contra a qual não é possível se rebelar sem cometer uma nefas [pecado], ou seja, não apenas um ato reprovável mas tendo consequências mortais".

Afinal, De Francisci já havia mencionado a base religiosa da primeira lei romana em sua prévia História do Direito Romano. No novo livro ele relembra a significância profunda relativa ao fato da conexão inseparável do imperium dos líderes políticos romanos, com o auspicium [advinhação], quer dizer, com uma disciplina possuindo como pressuposição a possibilidade de entrar em relação com as forças divinas e de apresentar as direções, junto a qual eles eram capazes de confirmar e potencializar forças e ações humanas. Mesmo se De Francisci não vai além de um exame mais fundo no significado do rito no mundo antigo já há o bastante para claramente separá-lo daqueles que, nesse sentido, veem apenas "superstições" e "fatalismo obtuso" de modo a apreciar, no ius [lei] romano, apenas seu cadáver jurídico positivo.

O outro preconceito, que é muitas vezes nutrido em relação ao totalitarismo da civilização política romana, se refere a libertas [liberdade civil]. Mas, novamente, é impossível julgar o mundo antigo com medidas modernas, que então são simplesmente falsas e enganadoras. De Francisci claramente aponta todo o respeito que a Roma antiga atribuía à libertas: mas é uma libertas concreta, compreendendo em si o conceito de limites: é liberdade como a faculdade e o direito legítimo de movimento, de agir, de dispor de si, e mesmo dentro de um espaço bem definido, dentro de uma hierarquia positiva, onde cada um reconhece o seu: suum cuique. Assim o romano conheceria um equilíbrio exemplar de auctoritas [responsabilidade] ou lex [lei] e libertas ao mesmo tempo desconsiderando o conceito democrático de igualdade característico da decadência helênica, no individualismo sobrepujante com uma determinação de limites, com uma obsessão com hierarquia, com uma coordenação de atividade. E esse é outro dos aspectos, segundo o que a Romanidade permanece, por séculos, o signo e símbolo de um ideal político e tradicional superior.

Já que nós pontuamos o verdadeiramente valioso e, para muitos, iluminativo aspecto da nova obra de De Francisci nesses termos, vamos nos permitir tocar outros pontos.

Primeiro de tudo, em relação a origens: É verdadeiro que, nesse sentido, não se ouve nada sendo dito sobre eles hoje. Não obstante, quem tenha olhos suficientemente treinados pode reconhecer e discernir o que há de valor em relação a raça e forças espirituais do mundo das origens. No problema ariano na Itália, no sentido do cruzamento ou aspecto de vários símbolos e costumes - por exemplo os ritos de sepultamento ou cremação, cultos solares e cultos telúrico-maternos, etc - as relações espirituais entre Etrúria e Roma e daí em diante, pouco ou nada é encontrado no livro de De Francisci. Agora, se não se tem sucesso em ter uma, digamos, visão dramática do antigo mundo itálico, no que concerne tanto raça como espírito, não se pode de modo algum compreender o verdadeiro sentido de Roma, suas batalhas, sua missão, seu destino.

Em relação a isso, o que é igualmente ausente na obra de De Francisci é qualquer investigação do que nós chamaríamos de "história subterrânea" de Roma. Em seu livro, a atenção permanece concentrada na história no sentido comum bidimensional do termo, mesmo se examinado com acuidade inegável. A análise do aspecto mais profundo e espiritual de certas brechas sociais e certas oposições de culto em Roma não é feita. Qual foi, por exemplo, a influência que atua, na Roma antiga, através dos Livros Sibilinos? É um problema, entre muitos outros, da história subterrânea de Roma, cuja importância não é de se negligenciar.

De Francisci, como dissemos, viu claramente na conexão da vontade humana, e portanto da ação, a uma significância mais que humana, um elemento característico da realidade romana. E isso foi mais particularmente enfatizado por outros que o romano percebia essencialmente a revelação do divino não no espaço, como uma visão, mas no tempo e na história, como ação. Agora, é possível reconhecer isso, sem também reconhecer que uma história da Romanidade sempre será incompleta, se ela não se tornar, em certa medida, uma metafísica da história, ou seja, se ela não buscar abarcar um conteúdo simbólico em seu modo objetivo nas reviravoltas mais importantes e decisivas da Romanidade? O perigo de digressão e interpretações pessoais puras, aqui, naturalmente, é grande. Não obstante, é necessário fazer algo nessa direção, se a história romana deve verdadeiramente nos falar. Conhece De Francisci a famosa introdução à Lenda de Tanaquil de Bachofen? Nessa velha obra, mesmo em referência à Romanidade, há ideias metodológicas que ainda são particularmente importnates hoje.

Também, De Francisci tratou vários problemas do período imperial, tais como a importação de cultos "asiáticos" e sua significância, de um modo meramente "histórico", no sentido atual do termo. O momento racial ao nível dos elementos de civilização e culto, não foram desenvolvidos. Por exemplo: e quanto aos cultos e formas asiáticos do próprio culto imperial, remetendo, apesar da degeneração de suas expressões exteriores, a elementos de uma tradição ariana arcaica comum, na medida em que, por exemplo, certos aspectos da reforma religiosa de Augusto, de fato, trazem de volta à vida algumas ideias esquecidas ou obscurecidas pela primeira Romanidade?

Ao invés, o melhor é a análise feita por De Francisci dos vários fatores políticos e sociais e várias tentativas da restauração do período imperial tardio. Ele traz à luz a verdadeira causa da decadência: o Império universal só poderia se manter desde que o momento expansivo tivesse um momento correspondente de desconcentração e intensificação nacional-racial. Ainda que indispensável, um ponto de referência supremo e único - a autoridade imperial divina - não podia ser suficiente: seria necessário ao invés prover simultaneamente a defesa espiritual e material da raça romano-itálica como a matriz privilegiada por elementos destinados a governar e comandar o mundo. Ao invés disso, Roma aceitou o cosmopolitismo, o caos da nivelação e da desarticulação. O Império presumidamente abraçando universalmente a espécie humana sem distinção de raça, povos e tradições, com base unicamente o poder central divino e supremo, e perto de um rompimento e uma "positivação" da antiga ideia jurídica, nesse ponto se transformando em direito natural.

Sobre tal base nós tendemos a crer que contrariamente às opiniões da maioria, e pode ser dito, a julgar por alguns de seus comentários, do próprio De Francisci, o Cristianismo ou, ao menos, um certo Cristianismo, assumiu a herança tão somente dos aspectos negativos do Império. De fato, apenas nos termos do "espírito", universalisticamente, ele se propôs a unificar e reunir os povos dispersos no Império; e se, para além disso, criou no clero uma hierarquia e um poder central, ele foi criado sem quaisquer pressuposições raciais: o clero era recrutado de todas as classes e povos e, por causa do celibato, não podia constituir uma casta, não podia gerar uma tradição regular, também apoiada no sangue, como ao invés acontece em muitas antigas sociedades arianas.

Apenas na Idade Média, por meio da contribuição ário-germânica, emergiu uma certa retificação desses aspectos negativos do legado da Romanidade tardia. O ideal orgânico surgiu. O próprio Catolicismo passou a demonstrar menos os traços de uma religião universalista do que aqueles de uma fé característica do bloco guerreiro das nações arianas e europeias da "Cristandade". E é nesses termos e em formas que, como tivemos a ocasião de notar recentemente nesse jornal, hoje possuem um curioso aspecto de fatos corriqueiros e mesmo de "futurismo", que a mais pura força de nossas origens é reafirmada para além do declínio da primeira Roma.