02/03/2014

Alberto Buela - Metapolítica e Tradicionalismo

por Alberto Buela



Este trabalho tem sua razão de ser em dois motivos: Um, a propósito de uma carta de nosso amigo o ítalo-americano Primo Siena sobre alguns pontos em disputa acerca do que entendemos por metapolítica. E dois, pretende dar a conhecer, aux parvenus au champ des études tradicionnelles, uma ótica pouco conhecida e mal compreendida como é o sentido de tradição para o Ocidente, esboçado já há vinte e cinco anos por Eliás de Tejada, a propósito do tradicionalismo hispânico, em um estudo excepcional em homenagem a Julius Evola.

Os termos tradição e tradicionalismo tem sido tomados, pelo menos, em dois sentidos diversos. Para o denominado tradicionalismo filosófico que se nutre com autores contemporâneos tão significativos como René Guénon, Julius Evola, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Ananda Coomaraswamy, Antonio Medrano e em nosso país Vicente Biolcati, a tradição está edificada por um cúmulo de conhecimentos que constituíram um saber primordial comum a todas as civilizações. A elucubração sobre a sabedoria pristina é o objetivo primeiro dessa corrente filosófica. Para isso recorre ao estudo detalhado dos mais diversos textos sagrados ou pseudo-sagrados da antiguidade buscando ali rastros, testemunhos ou traços acerca do saber ancestral primigênio.

Esta tradição, por princípio, não está assentada em nenhuma época histórica e é por isso a-histórica e de origem não-humana. Afirmamos que o tradicionalismo filosófico é a-histórico porque o objeto de seu estudo, isto é o saber primordial não está situado em nenhuma época histórica. Portanto nos parece inadequado pretender classificá-lo de meta-histórico como sugere Primo Siena. Em todo caso poderia dizer-se que este tradicionalismo é supra-histórico na medida em que o mito constitui o elemento primário a partir do qual se parte para o conhecimento da tradição única. Ela se pode encontrar em todos os povos. Assim Evola a encontrou na Índia na via hindu do tantrismo da mão esquerda, Guénon no islamismo egípcio onde se rebatizou como Abdel Wahed Yahia ou Coomaraswamy nos índios pele-vermelha dos Estados Unidos.

A segunda acepção de tradição nos é oferecida pelo tradicionalismo ocidental que se projeta no Ocidente sob a forma de "tradições nacionais". Essa tradição não está fora da história como a anterior versão senão inserida como coisa valiosa no sangue vivo dos povos. A tradição é aqui entendida como transmissão de valores de uma geração à outra. Valores que dão sentido à existência de nossas nações dentro da história do mundo.

É indubitável que essa tradição se nutre de uma metafísica mas não já como ciência dos mitos enquanto mitos senão como "ciência do ser enquanto ser e seus atributos essenciais" segundo a concebera a filosofia grega e logo, toda a philosophia perennis. É a prótes philosophías, a filosofia primeira. Porque "o problema do ser, vai dizer nosso mestre, no sentido da pergunta 'o que é o ser?' é o menos natural de todos os problemas, aquele que o sentido comum nunca se propõe, o que as tradições não-ocidentais jamais tocaram ou esboçaram...é uma pergunta eternamente aporética. Sendo isso assim se concebe que a ordem da investigação para nós (quoad nos) seja inverso à ordem do saber em si e que a humana filosofia não chegue nunca a se identificar com a ordem que pertenceria a um saber mais que humano". 

E é aqui, na meditação sobre o ser enquanto ser onde brilha com luz própria o mais graduado da inteligência ocidental. São os metafísicos stricto sensu - desde Heráclito a Heidegger- os que des-cobriram o sentido da alétheia do ser do ente. Este caminho é o mais árduo e difícil ao que a humana fortaleza possa se submeter. Caracterizado pelos grandes místicos como o da noite escura. Kant dizia "é buscar um gato negro em um terreno escuro, quando na verdade ele não existe". Nosso Castellani falava de "homens raros que pretendiam conhecer as causas. Desses homens alguns foram mortos, outros desterrados e em geral foram pobres".

Distinções

Em verdade, Elías de Tejada se limita a falar de tradicionalismo espanhol mais que hispânico. Porque este último conceito supõe uma extensão maior à atribuída por nosso autor, quando afirma: "Nós os carlistas, cremos em uma tradição elaborada por nossos maiores, não encarnada em um mito indemonstrável". Não é necessário ser muito sagaz para se aperceber que, ainda quando pudessem existir carlistas em outras latitudes, o carlismo como conditio sine qua non de tradicionalismo está limitado à Espanha. Isso nos obriga, os hispanoamericanos, a realizar também o esforço de explicitar nossa tradição. E para isso nada melhor que seguir distinguindo.

O tradicionalismo espanhol que tem suas fontes teóricas em Juan Donoso Cortés, Juan Vázquez de Mella e mais modernamente em Elías de Tejada, ao se definir antes que nada como carlista e monárquico possui uma marcada conotação política. Não só por seus autores emblemáticos - Donoso e Mella - políticos os dois, que dão o tom ao tradicionalismo espanhol senão que ademais no campo de sua meditação filosófica se ocupa primordialmente do "direito natural", disciplina com uma projeção política inquestionável.

Pelo contrário, o tradicionalismo hispanoamericano não é político senão cultural. Não é carlista nem monárquico. Nem mesmo pode sê-lo, dado que sua primeira manifestação política pode localizar-se nos movimentos criolos da Independência e sua oposição à monarquia espanhola. Porém cabe destacar que sua fonte de existência é muito anterior à primeira década do século XIX, nasce exatamente com o abraço colossal que se dão na luta e no leito ibéricos e americanos desde o momento em que Colombo pisou as praias de Guanahaní.

Para falar com precisão nosso tradicionalismo é metapolítico pois quer ser a explicitação das "figuras ou arquétipos" que gerou a América. O gaúcho, o montúbio, o ladino, o coya, o huaso, o cholo, o llanero, o charro, o borinqueño, etc., que sendo de genuína estirpe hispânica nos distinguem de Espanha e Portugal. Nem tão espanhol, nem tão índio diria Bolívar.

Este tradicionalismo tem teóricos em cada um de nossos países, em Argentina se destacam Sarmiento, Hernández e Lugones que explicitaram mais acabadamente a figura do gaúcho em seu contexto histórico-cultural. A eles devem se somar os "costumeiristas" como Justo P. Sáenz, Martiniano Leguizamón, Miguel Etchebarne, Carlos Villafuerte e tantos outros.

O mesmo se pode dizer de cada uma das vinte repúblicas e seus respectivos arquétipos que conformam essa Pátria Grande que é Iberoamérica.

Resumindo então, sustentamos que existem ao menos três tipos de tradicionalismos: o filosófico, fundamentalmente especulativo e a-histórico; o tradicionalismo espanhol vinculado ao carlismo e à monarquia espanhola e o tradicionalismo hispanoamericano que é metapolítico pois se funda na explicitação das figuras ou arquétipos gerados pela América.