09/04/2014

André Chamy - O Eixo da Esperança: De Pequim a Beirute, via Moscou, Teerã e Damasco

por André Chamy



A estratégia dos EUA, idealizada por Zbigniew Brzezinski, usando o apoio ao obscurantismo islamista para lutar tanto contra políticas progressivas muçulmanas quanto contra a Rússia, deu origem a uma aliança para resistí-la. Agora, China, Rússia, Irã, Síria e Hezbollah são forçados a ficar juntos para sobreviver. Em última análise, como observou André Chamy, a armadilha apreendeu aqueles que a armaram.

Islã contra Islã...

Irã, Síria, e Líbano graças ao Hezbollah e seus aliados, considerados pelos ocidentais por anos como fonte do mal por causa de seu apoio ao que eles chamam de "terrorismo", não deixaram de ser objetos de falatórios. Depois de um tratamento individual para cada um de acordo com as divisões políticas na região, um eixo se formou que começa às portas da Rússia e da China para acabar nas de Tel Aviv.

Este eixo está enraizado em políticas ocidentais reservadas para essa região. Os Estados Unidos, seguidos pelos principais países ocidentais, declararam que seus interesses econômicos devem ser preservados a todo custo. Essa política tendenciosa gerou tensões ao longo dos anos, tem sido fonte de conflitos armados e lutas de rua que alimentam incessantemente os noticiários na televisão.

Esta política, consagrada por algum tempo, foi implementada com o apoio de atores locais. No entanto, uma aceleração ocorreu após a queda do muro de Berlim, vivida como um acontecimento histórico, o que obviamente foi, mas que marcou o advento de uma estratégia agressiva e desdenhosa em direção ao oriente.

Com o desaparecimento da URSS, os países da região não poderiam esperar por mais nada além de contar com o controle ocidental, nomeadamente o dos Estados Unidos. Em vez de aproveitar essa posição privilegiada como árbitro, o último e alguns outros países ocidentais favoreceram o confronto e a dominação do "Oriente Médio expandido" através de intervenções diretas no Iraque e no Afeganistão, mas também no Líbano, no Iêmen e no Magrebe, com a intenção declarada de intervir na Síria e no Irã.

Desde os anos setenta após o choque do petróleo, os Estados Unidos sabem que devem controlar as fontes de matérias-primas, especialmente o óleo, assim como as rotas para acessar esses recursos, porque eles tiveram a amarga experiência de descobrir essa necessidade vital para sua economia e para o conforto dos seus cidadãos.

As opiniões dos especialistas divergem sobre a avaliação das reservas de gás e hidrocarbonetos, mas uma idéia permanece constante: a da natureza finita destes tesouros que se encontram em mãos gananciosas de beduínos que não precisam de seu ouro desde que seu lazer e diversão sejam financiados.

No tempo em que o "Choque de Civilizações", de Samuel Huntington, substituiu a Guerra Fria, o Islã tornou-se para os Estados Unidos o novo inimigo útil, um "aliado" das sortes, contra a Europa. Pragmáticos e oportunistas, eles viram no movimento islâmico uma "onda" e escolheram jogar o cartão muçulmano para melhor controlar as artérias de ouro preto. Eles tinham percebido a utilidade desse perigoso aliado muito antes da implosão do comunismo.

Começando também na década de 1970, os Estados Unidos apoiaram extremistas islâmicos, da Irmandade Muçulmana Síria aos islamitas bósnios e albaneses, dos talibãs à egípcia Islamyah Jamaa. Havia até mesmo rumor de sua relação com a FIS (Frente Islâmica de Salvação), que se tornou a violenta "GIA" na Argélia. Eles mimaram os Wahhabis à frente da monarquia saudita pro-EUA que financia quase todos as redes islamitas no mundo. Eles brincaram de aprendiz de feiticeiro, e os movimentos fundamentalistas que acreditavam que poderiam controlar, às vezes se voltaram contra o "grande Satã" para atingir seus próprios objetivos.

Em contraste, os EUA têm abandonado ou querem neutralizar países muçulmanos prováveis a ganhar poder político e autonomia relativa. Considere o presidente Jimmy Carter abandonando o Xá, quando o Irã estava-se tornando mestre de seu óleo. A isso adiciona-se a vontade de esmagar qualquer vestígio de independência intelectual mesmo para países seculares árabes como a Síria, o Egito e o Iraque.

O jogo com o islamismo veio em detrimento dos movimentos seculares representando uma alternativa ao Islão político radical, o último representando um porto seguro depois de cada fracasso nessa área. No entanto, esse "islamismo" obviamente não deve ser confundido com a República "Islâmica" do Irã, que tem uma gênese incomum. Além disso, vários autores de distinção, estudando os movimentos islâmicos, às vezes cometem o erro de confundir a República Islâmica do Irã com os islâmistas, embora eles não têm nada em comum, exceto o fato de que eles fazem referência ao Islã e à Sharia. A diferença fundamental é a própria definição de Islã político, defendida por um e por outro.

Tudo os separa fundamentalmente e, se realmente os americanos não fizeram muito para salvar o Xá, essa atitude foi justificada por eles por razões estratégicas, porque o Irã para eles de maneira nenhuma poderia ser autorizado a se tornar uma grande potência regional. O que explica que, algum tempo após a queda do Xá, os EUA iniciaram a guerra travada por Saddam Hussein contra seu vizinho, o que levou à ruína dos únicos dois países que poderiam ter uma influência decisiva na região do Golfo.

No entanto, a evolução do Irã após a sua guerra com o Iraque permitiu ao primeiro tornar-se uma potência regional real, temida por certas monarquias do Golfo, que preferiram confiar sua segurança ao Ocidente, mais particularmente aos Estados Unidos. Em troca, eles confiarams seus "recursos" às economias ocidentais e financiaram atividades e movimentos designados pelos serviços secretos de Washington.

Essas mesmas monarquias estavam a fechar os olhos para eventos atuais em algumas regiões, incluindo a Palestina, ainda que eles alegassem apoiar as aspirações do povo palestiniano. Eles se tornaram os primeiros países árabes a ter contatos diretos ou secretos com o estado de Israel, que mais tarde levou à aproximação dos movimentos de resistência palestinos com os iranianos.

Os últimos aparecem hoje como os únicos dispostos a defender os lugares sagrados do Islã com os homens de Al-Quds, uma filial da guarda revolucionária, e através de seu apoio ao Hamas. O feitiço dos EUA virou-se contra o feiticeiro.

O mundo árabe-muçulmano deve permanecer para a América do Norte um mundo rico em petróleo, explorável à vontade, mas pobre em matéria cinzenta e mantido em um estado de total dependência tecnológica, um mercado de 1 bilhão de consumidores incapazes de independência política, militar e econômica. O jugo do Alcorão é, de acordo com essa visão, conducente à pobreza intelectual.

As regras do jogo

Um eixo Teerã-Beirute através de Bagdá e Damasco materializou-se progressivamente em detrimento da estratégia de Washington na região. Era essencial ao longo dos anos que esse eixo adotasse aliados e parceiros em particular por causa das sanções contra o Irã e a Síria.

Além disso, historicamente, a linha Damasco-Moscou nunca foi suspensa apesar do desaparecimento da União Soviética, apesar do período tumultuoso atravessado pela Federação Russa. Mas a chegada do Presidente Vladimir Putin, aspirante a restaurar o papel da Rússia na cena internacional e preservar seus interesses estratégicos, não foi do agrado dos Estados Unidos.

Por sua vez, o Irã iria desenvolver suas relações com a Rússia, tornar-se seu aliado objetivo nas negociações com o Ocidente sobre seu programa nuclear. A China também reforçou seus laços com Teerã, especialmente após o embargo sobre a economia iraniana.

Estas duas grandes potências tornaram-se por força das circunstâncias as bases de retaguarda estratégica do "Eixo da Esperança". É óbvio que todo mundo está se beneficiando, mas os russos e os chineses não estão infelizes por ter parceiros que abocanham com sua rainha os peões de seus adversários históricos, enquanto desfrutam do petróleo iraniano e do gás e das posições estratégicas oferecidas pela situação da Síria ante as posições de frente dos EEUU.

Em seu livro, The Grand Chessboard: América e o Resto do Mundo, publicado em 1997, Zbigniew Brzezinski, conselheiro de segurança nacional do ex presidente Carter e muito influente nos Estados Unidos de Clinton, revelou com cínica franqueza as razões na raiz da estratégia islâmica de seu país. Segundo ele, o principal desafio para os Estados Unidos é a Eurásia, uma vasta extensão variando da Europa Ocidental à China através da Ásia Central: "do ponto de vista americano, a Rússia parece destinada a se tornar o problema... "

Os Estados Unidos está, portanto, tornando-se cada vez mais interessado no desenvolvimento dos recursos da região e pretende impedir a Rússia de ter supremacia. "A política dos EUA visa também ambos: o enfraquecimento da Rússia e a ausência de autonomia militar da Europa. " Daí, portanto, a expansão da OTAN para a Europa Central e Oriental, a fim de manter a presença dos Estados Unidos, enquanto a fórmula para uma defesa europeia capaz de combater a hegemonia americana no velho continente implicaria em um "eixo anti-hegemônico Paris-Berlim-Moscou."

Na verdade, através de suas escolhas, os EUA parecem ter se enganado em todas as frentes que foram usadas como bases para conquistar as fontes de petróleo e gás, atraindo para si mesmo penosas falhas políticas. Com realação aos países ocidentais, eles praticamente abandonaram toda estratégia e confiaram sua política externa aos Estados Unidos. Mesmo se eles tentem salvar as aparências com alguma postura, eles sabem que não são eles os que comandam o show. O exemplo recente de François Hollande e Laurent Fabius jogando vamos-à-guerra é uma ilustração: eles tiveram que jogar rapidamente, compreendendo que as negociações entre Messieurs Lavrov e Kerry tinham precedência sobre seus anúncios preventivos.

A Resposta do Tigre

Constatando o fracasso de suas manobras, os americanos quiseram elevar a tensão contra as autoridades russas, determinadas a se opor a eles, enquanto a China permaneceu em uma emboscada para avaliar a situação, mas pouco inclinada a confiar em Washington...

Lembre-se de que a China está tão interessada quanto a Rússia no Oriente Médio: o primeiro sinal de interesse data de 1958, durante a crise do Líbano que levou ao desembarque dos EUA nas costas libanesas, ao que Beijing se opôs firmemente, muito antes da URSS.

Essas manobras dos EUA são particularmente bem estabelecidas, uma vez que o processo é relativamente simples. Primeiro, eles participam da criação de ONGs para defender os direitos humanos. Incentivam alguns "denunciantes", e fornecem um fórum para adversários, obscuros e sem grande escopo, criar, em um determinado momento, um conjunto de condições para a desestabilização de um país.

Este é um trabalho que é preparado por anos. Isso já foi tentado durante a Guerra Fria; o exemplo mais gritante é o do Chile, e continuou até os dias atuais com as famosas "revoluções coloridas" e mais recentemente a "primavera árabe". As mesmas ações estão sendo preparadas em outros países que vemos nas manchetes, especialmente no Azerbaijão.

É neste contexto que "eventos" eclodiram em junho de 2009 no Irã, sob o pretexto de condições desafiadoras para a eleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. A República Islâmica teve que enfrentá-lo por quase nove meses. Hezbollah também foi confrontado, após o ataque israelense que durou 33 dias, por um novo plano do governo para privá-lo de uma ferramenta diretamente relacionada à sua segurança, ou seja, sua rede de comunicação. Sua resposta foi rápida e eficaz em 7 de maio de 2008, a qual os atiçadores consideraram uma afronta mas que foi olho por olho!

Restava a Síria apenas no "Eixo da Esperança", que havia sido notificada pelos americanos que, se não cortasse sua relação com o Irã e o Hezbollah, iria ter o destino de outros países árabes, afetados por uma "primavera" que supostamente traria as andorinhas da democracia, mas que trouxe apenas os corvos do terror e da instabilidade.

É neste contexto que as famosas "revoluções coloridas" afetaram a Rússia até o exemplo ucraniano. Essas revoluções privaram a Rússia da maioria de seu campo estratégico. A Europa (UEE) foi usada para unificar os ucranianos com uma promessa de melhores condições econômicas e auxílio. Mas, na realidade, esses eventos permitiram aos Estados Unidos estabelecer bases militares na porta de Moscou. Na época, a Rússia, enfraquecida por um poder que não tinha nem ambição nem escala, não foi capaz de responder.

A Rússia, hoje, não pode aceitar que esse exemplo seja repetido na Ucrânia. Isso explica sua reação imediata. Sua reação é, apesar das aparências, em conformidade com os exemplos no Oriente Médio, desde que a idéia é dizer que a democracia não é exercida na rua, mas é vencida nas urnas. Se a oposição queria tomar o poder, ela devia passar pelas eleições.

Além disso, a Rússia, mal saída da agressão de milícias chechenas que trouxeram morte e terror ao seu território com o apoio financeiro de algumas monarquias do Golfo, é claro que defende seus interesses. Isso explica a ameaça velada feita pelos sauditas dizendo: "Nós poderiamos ajudar a evitar a ameaça do terrorismo, em Sochi, se voces se rendessem na questão da Síria." Eles foram obviamente rejeitados.

De qualquer forma, isso demonstra tanto o papel das monarquias do Golfo quanto o uso dos movimentos islâmicos para secretamente promover políticas dos EUA que, através da desestabilização de alguns Estados, acredita que eles criam condições mais favoráveis a eles na região.

O eixo Pequim-Beirute, via Moscou, Teerã e Damasco, só vai ficar mais forte. Isso é praticamente uma questão de sobrevivência para cada um. De acordo com um provérbio oriental: "não encurrale um gato em um canto, correndo o risco de vê-lo transformar-se em um tigre." Mas o que pode acontecer se tentarmos encurralar um tigre em um canto? É certo que ninguém quer saber a resposta.