02/08/2015

Arturo Pérez-Reverte - Os Amos do Mundo

por Arturo Pérez-Reverte



Você não sabe, mas depende deles. Você não os conhece, nem cruzará com eles em sua vida, mas esses filhos da puta o tem em suas mãos, na agenda eletrônica, na tela do computador, seu futuro e o de seus filhos. você não sabe que rosto têm, mas são eles que o vão mandar à fila de desempregados em nome de um três-ponto-sete, ou um índice de probabilidade de zero-vírgula-zero-quatro.

Você não tem nada a ver com esses fulanos porque é empregado de uma serralheria ou caixa de loja, e eles estudaram em Harvard e fizeram mestrado em Tóquio, ou ao contrário, vão pelas manhãs à Bolsa de Madri ou à de Wall Street, e dizem em inglês coisas como "long-term capital management", e falam de fundos de alto risco, de acordos multilaterais de investimento e de neoliberalismo econômico selvagem, como quem comenta a partida de domingo.

Você não os conhece nem por foto, mas esses motoristas suicidas que circulam a duzentos por hora em um furgão carregado de dinheiro vão atropelá-lo mais dia menos dia, e nem mesmo lhe restará o consolo de ir de cadeira de rodas para jogar ovos neles, porque eles não tem rosto púbico, apesar de serem reputados analistas, tubarões das finanças, prestigiosos especialistas no dinheiro alheio. Tão especialistas que sempre acabam tornando-o seu. Porque sempre são eles que ganham, quando ganham; e nunca são eles que perdem, quando perdem.

Não criam riqueza, só especulam. Lançam ao mundo combinações fastuosas de economia financeira que nada tem a ver com a economia produtiva. Alçam castelos de cartas e os garantem com espelhos e fumaças, e os poderosos da Terra perdem a cabeça de tanta bajulação só para que possam subir em seu carro.

Isso não pode falhar, dizem. Aqui ninguém vai perder. O risco é mínimo. O garantem prêmios Nobel de Economia, jornalistas financeiros de prestígio, grupos internacionais com siglas de reconhecida solvência.

E então, o presidente do banco transeuropeu tal, e o presidente da união de bancos helvéticos, e o chefinho do banco latinoamericano, e o consórcio eurasiático, e a mãe que pariu a todos, embarcam com alegria na aventura, enfiam dinheiro por um tubo, e logo se sentam para esperar essa bolada que vai fartar ainda mais todos eles e seus representados.

E enquanto sai bem a primeira operação já estão arriscando mais na segunda, que pechincha é pechincha, e juros de trocentos por cento não se encontram todos os dias. E ainda que esse jogo de espelhos especulador nada tenha que ver com a economia real, com a vida de cada dia das pessoas na rua, tudo é euforia, e palmadinhas nas costas, e até entidades bancárias oficiais comprometem suas reservas de divisas. E isto, senhores, é o paraíso.

E logo resulta que não. Logo resulta que o invento tinha suas falhas, e que isso de "alto risco" não era uma frase, mas exatamente isso: alto risco de verdade. E então todo o palanque desaba. E estes fundos especiais, perigosos, que cada vez tem mais peso na economia mundial, mostram seu lado negro. E então, oh prodígio, enquanto os benefícios eram para os tubarões que controlavam a zona e para os que especulavam com dinheiro alheio, parece que as perdas, não.

As perdas, a mordida financeira, o pagamento pelos erros desses playboyzinhos que brincam com a economia internacional como se jogassem Banco Imobiliário, recaem diretamente sobre as costas de todos nós.

Então resulta que enquanto o benefício era privado, os erros são coletivos, e as perdas tem que ser socializadas, acudindo com medidas de emergência e com fundos de salvação para evitar efeitos dominó e todos metem a mão. E essa solidariedade, imprescindível para salvar a estabilidade mundial, é paga com sua pele, sua poupança, e às vezes com seu posto de trabalho, pelo Mariano Pérez Sánchez, empregado de comércio, e pelos milhões de infelizes Marianos que ao longo e largo do mundo se levantam todo dia às seis da manhã para ganhar a vida.

Isso é o que vem por aí, temo. Ninguém perdoará um centavo da dívida externa de países pobres, mas nunca faltarão fundos para tapar buracos de especuladores e canalhas que jogam roleta russa com a cabeça alheia.

Assim podemos já ir nos preparando para o que vem por aí. Este é o panorama que os amos da economia mundial nos apresenta, com a conversa de tanto neoliberalismo econômico e tanta merda, de tanta especulação e tão pouca vergonha.