28/08/2010

Raphael Machado - A Vontade de Poder

por Raphael Machado


Vontade de Poder é um dos conceitos mais centrais da filosofia de Nietzsche. Nesse conceito é possível notar a influência de Schopenhauer no pensamento de Nietzsche, vinda através de duas formas: A proposição de que a essência do Mundo é Vontade e a de que o que move os seres-vivos é a Vontade de Vida, que atuaria não só para a sobrevivência do animal, mas também na sua perpetuação através da procriação e de diversos outros instrumentos atuando com o objetivo de eternizar a Vontade. Segundo Schopenhauer a Vontade, porém, no modo em que ela atua nos homens é a origem de toda a forma de sofrimentos e desgraças que se abatem sobre ele por ela o impelir em direção a inúmeros objetivos infrutíferos e por ela despertar nele desejos insaciáveis. Para combater esse sofrimento interno e externo do homem, Schopenhauer propõe, seguindo certas influências budistas, a negação dessa Vontade no homem, mesmo em sua instância imediata como Vontade de Vida. Através da negação da Vontade, que é a essência do Mundo, o homem se libertaria de todos os sofrimentos diretamente associados com o simples fato de existir em um Mundo, e deixaria completamente de existir, para Schopenhauer, alcançando então uma verdadeira liberdade na inexistência.

A Vontade de Poder, porém, em muito se diferencia dos conceitos schopenhauerianos. Em todo o lugar, Nietzsche só enxerga a Vontade de Poder. É ela que está por trás de toda ação, pensamento ou coisa. É esse princípio e não a Vontade de Vida que está em ação nos animais. O que um animal deseja não é fugir da morte e perpetuar sua Vontade, mas sim impor sua Vontade sobre o que existe ao seu redor, expandir seu poder sobre tudo que existe. Um animal ao procriar não está tendo apenas se perpetuar, mais do que isso ele busca expandir e satisfazer sua Vontade de Poder. E uma fêmea que se sacrifica para salvar um filhote está exatamente negando sua Vontade de Vida em prol de sua Vontade de Poder. É a busca pela satisfação da Vontade de Poder que está no fundamentos dos atos dos animais, seja a alimentação, a procriação ou qualquer outro. A Vontade de Poder é, portanto, uma espécie de força que se impele para fora de si mesma, sem sair de si em busca de sua própria satisfação e expansão.

Tudo na natureza é essa Vontade de Poder. O que conhecemos por realidade não passa da interação entre inúmeras Vontades de Poder tentando se sobrepor umas às outras, buscando se impor e estabelecer a si mesma como senhora do mundo, com as Vontades de Poder mais fortes se impondo sobre as Vontades de Poder mais fracas. Por isso tudo é dotado de impermanência, já que a todo momento muda a configuração de Vontades de Poder que está em atuação por trás de um determinado fenômeno, apesar de sempre termos uma impressão de permanência do mundo, graças a maneira sutil pela qual muitas vezes a Vontade de Poder atua.

Mas é no homem que deve-se verificar com mais atenção as atuações da Vontade de Poder. Durante muito tempo, entre a maioria dos povos, os valores eram determinados exatamente por aqueles dotados da Vontade de Poder mais elevada, estes eram os líderes das nações, os homens mais fortes, mais inteligentes, mais corajosos, mais belos. E foi com base em si próprios que eles definiram quais eram os valores positivos, aqueles que refletiam suas próprias qualidades e os valores negativos, os que representavam um contrário dos valores aristocráticos: fraqueza, piedade, pobreza, feiúra; exatamente as características das massas. Por isso, graças a sua inferioridade natural as massas transferiram todo o valor para um além-mundo, um lugar onde elas sejam consideradas virtuosas por suas fraquezas e os aristocratas sejam considerados maus por seu excesso de força.

Com o tempo, a negligência dos aristocratas e a superioridade numérica das massas fez com que os valores aristocráticos fossem definitivamente transformados no mal e os valores plebeus fossem adotados pelos líderes. Assim deu-se a inversão dos valores, e os valores aristocráticos do excesso de vontade de poder, associados com o que há de bom neste mundo ao serem banidos levou a que este mundo mesmo fosse odiado. Com a fuga dos valores para o além-mundo, este mundo ficou desvalorizado em relação a este além-mundo, repositório de todo o bem. Essa foi a vitória da Vontade de Poder fraca sobre a forte. Desse modo surgiu a moral, como instrumento de controle e auto-defesa do rebanho em relação aos homens dotados de uma Vontade de Poder forte.

Desse modo toda a humanidade foi submetida a escravidão de uma moral que demoniza o mundo, as forças vitais, os valores ascendentes e sadios e tudo que representa vitória e poder neste mundo. É neste situação que está o homem moderno. E esta situação reduz ainda mais a força da Vontade de Poder e os impulsos criativos do homem. Assim para se libertar o homem deve buscar dentro de si próprio a descoberta de sua verdadeira natureza através de sua Vontade de Poder.

A partir dessa descoberta, cabe ao homem derrubar os valores de rebanho pré-estabelecidos, para ele mesmo impor através de sua Vontade de Poder quais são os valores que ele deve seguir. Mesmo que no fim das contas o homem acabe recolocando os velhos valores, o que importa é que ele saiba porque deve seguir tais valores, ao invés de os seguir cegamente. A isso Nietzsche deu o nome de Transvaloração de Todos os Valores. Para isso o homem deve se colocar Além do Bem e do Mal, para poder julgar o mundo através dos olhos de sua Vontade de Poder para então ser capaz de decidir qual é o seu caminho.

O homem que for capaz disso, se libertará da tirania dos valores de rebanho e poderá dispor de seu poder criativo segundo sua vontade. Este homem trará de volta dentro de si o amor pela existência e incorporará dentro de si valores que exaltam este mundo com todas as suas possibilidade, seja de sofrimento ou de glória.