19/05/2011

Julius Evola (1898 - 1974)

por Arnaud Guyot-Jeannin

Grande figura aristocrática da direita tradicionalista italiana, Giulio Césare Andréa Evola (que adoptará o prenome Julius por admiração pela Roma antiga), nasceu em Roma a 19 de Maio de 1898, no seio de uma família da pequena nobreza siciliana. Iniciando os estudos de engenharia, rapidamente renuncia para se consagrar às artes e ao estudo das grandes doutrinas filosóficas. Aos 16 anos, com o começo da primeira guerra mundial, Evola parte para a frente de combate para ocupar o posto de oficial de artilharia. Beneficia desses breves instantes de liberdade para estudar a obra de Nietzsche, Otto Weininger, Carlo Michelstaedter, sem esquecer os filósofos franceses (Blondel, Lagneau, Lachelier…). Terminada a guerra, frequenta, de forma apaixonada, diversos movimentos culturais italianos onde se misturam poetas, pintores, dadaístas… 

Ao período artístico (1915-1923) sucede-se o período filosófico (1923-1927). É desta forma que, em 1925, aparece o seu primeiro ensaio, «Ensaio sobre o idealismo mágico» seguido de «O Homem como potência», em 1926 (rebaptizado em 1949 como «O yoga tântrico», sobre o qual Marguerite Yourcenar dirá: “Comprei uma daquelas obras que durante anos nos alimentam e, até um certo ponto, nos transporta”). Evola consagra duas obras à sua visão antropológica do mundo: «Teoria do indivíduo absoluto» (1927) e «Fenomenologia do indivíduo absoluto» (1930). Entre ambas as publicações aparece «Imperialismo pagão» (1928). Obra violentamente anticristã, é editada no momento em que Mussolini e o regime fascista encetam fortes relações com a Igreja que culminarão com a assinatura dos acordos de Latrão, em 1929. Na sequência, e nomeadamente à luz da obra de René Guénon, Evola julga o «Imperialismo pagão» excessivamente anticristão, esperando que o mesmo não seja reeditado enquanto for vivo, apesar de continuar crítico pela ideia e pela atitude em relação ao cristianismo, sem por isso cair num anticlericalismo ridículo. Antes do aparecimento de «Imperialismo pagão», Evola já se tinha ilustrado na revista «Critica Fascista» de Giuseppe Bottai por um anticristianismo radical e um paganismo militante que não tinham agradado ao, muito oficial, «Osservatore Romano». Pelo contrário, o catolicismo medieval teve sempre o seu favor por ali encontrar uma espiritualidade heróica, solar, viril, integradora dos melhores elementos do antigo paganismo romano.

Director da revista «Ur» e posteriormente de «La Torre» integra-se num grupo de esoteristas: o Grupo de Ur. Pratica “magia operativa”, isto é, “a ciência experimental do eu”. É nestes anos que Evola começa a fazer as perigosas caminhadas de montanha. Torna-se rapidamente num alpinista de alto nível. «La Torre», largamente inspirada nas teses de Guido de Giorgio, autor da «Tradição Romana», cessa de aparecer em 15 de Junho de 1930 por ordem de alguns hierarcas fascistas, após a publicação de 10 números.

Mantendo o interesse pelo esoterismo Evola publica, em 1931, «A Tradição Hermética». Esta obra apaixonante é um estudo rigoroso sobre a corrente iniciática que se perpetuou na Idade Média, por detrás do paravento da procura alquímica.

Em 1932 surge o ensaio «Máscaras e rostos do espiritualismo contemporâneo» que denuncia o que Oswald Spengler chama “segunda religiosidade” e René Guénon “contra-iniciação”, isto é, espiritualidade de pacotilha (ocultismo de supermercado, seitas…). A teosofia, a antroposofia, o espiritismo e a psicanálise são passadas ao crivo da crítica evoliana: “Ler as obras espiritualistas, frequentar os cenáculos dos teósofos, meditar sobre o «hóspede desconhecido» de Maeterlinck, fazer energicamente os seus vinte minutos de meditação quotidiana, encher-se de fé na reencarnação que permitirá a cada alma prosseguir a sua evolução numa nova existência onde alcançarão os frutos do bom karma humanitário – tudo isto é, na verdade, um regime de auto-ajuda muito cómodo!” Um livro visionário!

Dois anos mais tarde (1934), a publicação mais importante do Barão Evola, «Revolta Contra o Mundo Moderno», provoca grande agitação. As reacções são muito mitigadas. Enquanto o filósofo hegeliano Giovani Gentile, historicista e fascista convencido – considerado como o filósofo do regime – emitia uma opinião hostil sobre a obra – por causa do pessimismo aristocrático que ali transparecia – o romeno Mircea Eliade fala de um livro importante e profético. O poeta alemão Godfried Benn, na época aderente do nacional-socialismo, felicita o autor e não hesita em declarar-se “transformado”. «Revolta Contra o Mundo Moderno» é um estudo crítico da modernidade julgada à luz dos princípios eternos da Tradição. O livro comporta duas partes. Uma que se propõe, “O mundo da Tradição”, a definir as categorias e princípios fundamentais e essenciais das sociedades tradicionais (a realeza, o símbolo polar, a Lei, o Estado e o Império, a virilidade espiritual, a iniciação e o sagrado, a cavalaria, as castas, a ascese…). A outra, “Génese e rosto do mundo moderno”, que desenvolve “uma metafísica da história fundamentada sobre a polaridade masculino-feminino”, tomando as palavras de Philippe Baillet, prefaciador, tradutor da reedição, e especialista incontestado de Julius Evola e do tradicionalismo integral. Esta parte expõe a doutrina “das quatro idades”, o antagonismo Tradição-Antitradição, nacionalismo-colectivismo, americanismo-bolchevismo. «Revolta Contra o Mundo Moderno» é uma obra de referência para aquele que quer romper definitivamente com o progressismo burguês.

O ano de 1937 é marcado pelo aparecimento de duas obras: «O Mistério do Graal» onde Evola estuda os principais fundamentos históricos da tradição gibelina e «O Mito do Sangue» que constitui uma antologia das teorias racistas. Quando estala a Segunda Guerra Mundial Evola instala-se em Viena. Em 1941 publica «Sínteses e doutrinas da raça» livro que tenta definir positivamente uma “raça do espírito” por oposição aos critérios biológicos da época. Aí afirma: “As raças puras, no sentido absoluto, não existem actualmente senão em raros indivíduos. Isso não impede que o conceito de raça pura seja tomado como um ponto de referência, mas em termos de ideal e de objectivo a atingir.” Estas ideias não agradam nada aos dirigentes do Partido Nacional Fascista e à revista «Diffesa de la Razza» – da qual o chefe de redacção é Giorgio Almirante, futuro Secretário-Geral do Movimento Social Italiano (MSI) – que exalta a “raça italiana” numa concepção estritamente biológica. Benito Mussolini declara-se em sintonia com as ideias de Evola. No entanto, a oposição do racismo evoliano (racismo do espírito) ao racismo biológico é ambivalente. Com efeito, através de alguns artigos do pós-guerra, Evola critica os povos da África negra, a mestiçagem racial e a negritude americana. A ambivalência provém do facto que Evola, segundo os textos e as circunstâncias, refere-se ora à Tradição Universal preconizada por pensadores da Tradição como René Guénon, Ananda Coomaraswamy ou Frihjof Schuon, ora unicamente à Tradição europeia. Se Evola tem razão em estigmatizar a indiferenciação, também devia, em coerência, desejar que os países do terceiro Mundo se preservassem da ocidentalização mercantil americanocentrada. Não só não faz isso como cai na armadilha de um etnocentrismo racial europeu que não tem a sua razão de ser numa filosofia tradicional onde se deve exaltar não a “espiritualidade para si” mas a “espiritualidade em si”. Universalidade oblige! No mesmo ano, a editora vienense Scholl, publica uma pequena obra, com uma conferência pronunciada em alemão por Evola, em 7 de Dezembro de 1940, no Palácio Zuccari, em Roma, com o título de «A Doutrina de Luta e de Combate pela Vitória».

Em 1943, junta-se à República de Saló, mais por fidelidade a Mussolini que por alinhamento ideológico. Nesse ano publica uma obra sobre a ascese budista, «A doutrina do despertar». Para ele, o budismo caracteriza-se por uma intensidade espiritual inultrapassável, uma vontade de poder, para retomar a expressão nietzschiana, levada ao paradoxo da metafísica conhecedora. Dois anos mais tarde, ainda em Viena, escapa por pouco à morte, durante um bombardeamento, ficando paralisado das duas pernas. Evola gostava de repetir frequentemente: “Nunca se esquivar e mesmo procurar o perigo quase no sentido de uma silenciosa interrogação do destino.”

Evola regressa a Roma em 1948. Em 1950 aparece «Orientações». Esta pequena e entusiástica obra, completada e rectificada por uma segunda edição em 1970, destina-se à juventude europeia. Os temas abordados são os mais variados: requisitório contra o primado da economia, condenação das democracias mercantis (Estados Unidos) e populares (União Soviética), crítica implacável do materialismo marxista-liberal, rejeição do nacionalismo, fidelidade à Ideia e, finalmente, adopção de um discurso tradicionalista elitista que visa a formação de um homem novo.

Sempre disposto a desempoeirar as ideias e a dar uma doutrina séria, rigorosa e sem concessões, aos jovens do MSI, Evola escreve, em 1953, «Homens entre as Ruínas», onde propõe uma doutrina de Estado baseada na ideia de organicidade. Este Estado orgânico está nos antípodas do individualismo liberal e do socialismo colectivista: “As hipóteses da acção revolucionária conservadora dependem essencialmente na medida na qual a ideia oposta, isto é a ideia tradicional, aristocrática e antiproletária, pode, também ela, juntar-se a este plano existencial para dar origem a um novo realismo e, agindo como «visão de mundo», modelar um tipo específico de antiburguês, substância celular das novas elites; para além da crise de todos os valores individualistas e irrealistas”. Se «Homens entre as Ruínas» teve uma grande influência na juventude de direita radical italiana, pelo contrário, não teve nenhuma incidência nas instâncias dirigentes do MSI, inclinadas que estavam numa esclerose passadista e romântica do fascismo histórico.

Em 1958 é publicado «Metafísica do Sexo». Evola estuda a função significativa do sexo masculino e feminino à luz das doutrinas tradicionais do oriente e do ocidente. A tese avançada por Evola é que o mundo moderno quebrou as verdadeiras potencialidades transcendentes do homem e da mulher. Trata de reabilitar-se a verdadeira metafísica do sexo, ou seja, reencontrar a unidade na diferenciação ontológica dos sexos e da verdadeira sexualidade. Argumentado sobre sólidas leituras que tratam da sexualidade – nomeadamente «Sexo e Carácter» de Otto Weininger –, «Metafísica do Sexo» representa uma das obras capitais de Julius Evola.

No início dos anos 60, aparece o livro pior compreendido de Evola: «Cavalgar o Tigre». Como muito bem escreveu o seu amigo Adriano Romualdi: “«Cavalgar o Tigre» é um breviário daquele que tem de viver num mundo que não é o seu sem se deixar influenciar por ele, seguro da sua invulnerabilidade”. Com efeito, Evola exprime a ideia segundo a qual não só é necessário impedir o tigre (forças de dissolução) de nos saltar para a garganta, mas também, estando montados sobre o animal, termos finalmente razão. Não se trata, portanto, para o “homem diferenciado” de fugir do perigo (tigre), mas de destemor (cavalgar) para o anular (domesticar). Evola predica um niilismo activo que tem pouco a ver com o possibilitismo reaccionário-conservador de «Homens entre as Ruínas». Marxismo, democratismo liberal, existencialismo, racionalismo, vitalismo prometaico, nacionalismo patrioteiro, feminismo emancipatório, jazz e música pop, crispação burguesa no casamento e na família moderna… são alguns dos temas que Evola estuda e crítica à luz dos ensinamentos doutrinais do pensamento tradicional.

As suas memórias autobiográficas são na realidade as memórias autobibliográficas, porque praticando “a impersonalidade activa” mostra-se pouco, aparecendo em 1963 sob o título de «O Caminho do Cinábrio». Ali evoca os seus vários livros, influências e encontros que o marcaram.

“O cinábrio é o sulfureto vermelho do mercúrio, composto no qual se reconhece os dois elementos de base da alquimia universal: o enxofre e o mercúrio (…). É por excelência a droga da imortalidade, se for vermelha (cor fausta e cor de sangue)” dizem-nos J. Chevalier e A Gheerbant.

Em 1964 aparece «O Fascismo visto da Direita, seguido de Notas sobre o Terceiro Reich»: Sem qualquer romantismo nostálgico e sentimentalista, esta crítica do fascismo não visa defendê-lo nem denegri-lo sistematicamente. Combatendo os ideais de 1789 em nome da grande tradição política europeia, Evola lamenta que o fascismo não se tenha inspirado nos princípios que teriam servido para a elaboração de uma verdadeira contra-revolução integral. O fascismo parece-lhe cheio de elementos burgueses, populistas, centralistas e totalitários. Recusa a ideia de um partido único que é, segundo ele, “um Estado dentro do Estado” e que não tem razão de existir num regime autenticamente antidemocrático. É preciso lembrar para a pequena história que Evola nunca pertenceu a nenhum partido e que, por causa disso, o seu pedido para ir combater o bolchevismo, na frente Leste, foi recusado. Evola mostra-se, também, muito crítico do materialismo biológico veiculado pelo nacional-socialismo.

Prosseguindo infatigavelmente o seu trabalho doutrinário, Evola escreve numerosos textos que serão posteriormente publicados sobre a forma de colectâneas de textos («Meditação do cimo dos cumes», «Escritos sobre a Franco-Maçonaria», «O Arco e a Clava», «Elementos para uma educação racial», «Ensaios Políticos»…). Falece em 11 de Junho de 1974, com 76 anos, no seu domicílio de Corso Vittorio Emanuele, em Roma. Um grande espírito tinha acabado de se apagar.