25/05/2015

Kerry Bolton - Aleister Crowley como Teórico Político

por Kerry Bolton



Aleister Crowley (1875-1947), que denominava a si mesmo a Grande Besta 666, é uma presença importante tanto na subcultura ocultista quanto na cultura popular contemporânea. Ele é aclamado por uns como filósofo, mago, e também como profeta. Ele é condenado por outros como egocêntrico depravado. Mas, para a maioria, ele é meramente visto como um produto de consumo (como Che Guevara para camisas de marca) pelo seu choque de valores e suas excentricidades.

Porém, ainda é muito pouco ou nada conhecido de Crowley como teórico político e social que criticou a problemática do industrialismo, democracia e a ascensão do homem massa além da sociedade atual. A teoria política e social de Crowley é fundamentada na crítica nietzcheana da modernidade que tem paralelos com o Tradicionalismo de René Guénon e Julius Évola.

A influência de Nietzche é evidente em seu desejo de criar uma nova religião que ocuparia o lugar da “moralidade de escravos” inerente ao “Aeon de Osiris”, representado no Ocidente pela Cristandade. Um novo Aeon de “força e fogo”, o Aeon de Horus, “a criança conquistadora Coroada”, seria a previsão de uma nova “Moral de Senhores” expressa na nova religião da “Thelema” de Crowley, significando a “Vontade”, a ser compreendida em termos nietzcheanos como “Vontade de Poder”: uma eterna ascese que transcende em formas maiores, individualmente e coletivamente.

Crowley e Tradicionalismo

Pode ser surpreendente colocar Crowley ao lado de Évola e Guénon como parte da reação aos altos níveis de crença no materialismo, racionalismo e liberalismo. Crowley, apesar de tudo, é geralmente conhecido por ter feito parte de sociedades iniciáticas como a Franco-Maçonaria, além dos Illuminati que promoviam humanismo liberal como uma nova religião “racionalista”, assim como o comunismo que chegou a ser uma religião com seus próprios santos, mártires, guerras santas, dogmas, rituais, liturgias, ignorando seus objetivos materialistas. Crowley, por exemplo, incluiu Adam Weishaupt, fundador dos Illuminati em sua lista de “santos” da Missa Gnóstica Thelemita. A vasta maioria de seguidores de Crowley é formada por humanistas liberais.

Guénon denominou às tentativas de promover liberalismo e materialismo que aparentam ser “tradições” de “contra-tradição”.Em outras palavras de Eliphas Lévi, grade autoridade em ocultismo do Século XIX, ex-maçom e propagandista socialista que se converteu ao Catolicismo posteriormente:

“A maçonaria não apenas tem sido profanada, como tem servido de disfarce e pretexto de conspirações anarquistas...Os anarquistas resumiram sua regra, esquadro e malhete impondo sobre estes as palavras Liberdade, Igualdade e Fraternidade – liberdade, diga-se, para a ganância, Igualdade para a degradação e Fraternidade no trabalho de destruição. Estes são os homens que a Igreja condenou e com justiça condenará sempre”.

Até hoje, o slogan da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” é o lema do Grande Oriente Francês. Estas sociedades secretas contra-iniciáticas estavam engajadas em guerra oculta, com suas manifestações no campo político, social, moral e econômico.

Mas esta não é a história inteira.

Mesmo dentro de tais movimentos iluministas e maçônicos, ocultistas genuínos defenderam um retorno ao mito e o restabelecimento da ligação entre o homem e o divino. Proeminente entres estes era a Ordem Hermética da Aurora Dourada na Grã-Bretanha, na qual Crowley iniciou seu aprendizado em feitiçaria. A Aurora Dourada era estreitamente associada à Franco-Maçonaria, mas o que deixa transparecer é que suas lideranças como Mathers e Westcott se identificavam forma de Maçonaria tradicionalista e não-profanada. O fato de W.B. Yeats ter feito parte da Aurora Dourada indica uma evidência desta corrente tradicionalista (mesmo que Yeats mantivesse pequenas discordâncias com Crowley).

Surpreendentemente, o próprio Evola diz que Crowley era, pelo menos em parte, um legítimo iniciado. Évola afirmava que a Aurora Dourada, da qual Crowley fazia parte, era “em algum aspecto” sucessora “daquelas formas iniciáticas legítimas”. Evola também reconhece que o Sistema Mágico era derivado de práticas iniciáticas tradicionais: “É certo que no “Crowleyismo a inoculação de aplicações mágico-iniciáticas é bem precisa, e suas referências e orientações de tradições antigas são evidentes”. (Dado que Évola escrevia sobre Crowley num momento em que o mundo estava em efervescência política, e o próprio Évola era extremamente envolvido com tal agitação como um apoiador crítico do Fascismo, é notável que mesmo Évola não explorou as implicações políticas e sociais do “Crowleyismo”, especialmente visto que as visões de expressas por Crowley estavam estreitamente de acordo com as de Évola.)

Crowley, apesar de algumas de suas associações, não deveria ser apontado como adepto da contra-tradição. “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” eram para ele demagogia asquerosa e repugnante, também era francamente absurdo para ele arrolar Weishaupt entre os “santos” thelemitas. A inclusão de Weishaupt por Crowley pode talvez ser explicada não pelo que ele defendia, mas por aquilo que ele combatia. Pois Weishaupt dirigia muito de sua energia conspiratória contra a Igreja Católica, instituição pela qual Crowley  pôde nutrir admiração a um nível muito superficial.

A Tradição iniciática defendida por Evola e Guénon é fundamentalmente e diretamente aristocrática e elitista. Na Sociedade Tradicional, o Sistema Mágico de Crowley era uma parte integral da vida, um meio de harmonizar  o homem com o cosmos. Assim não há qualquer motivo para se defender igualdade ou democracia, como escreve Lévi:

“A afirmação se encontra diante da negação; o forte só pode triunfar porque há o mais fraco; a aristocracia não pode se manifestar exceto em sua superioridade sobre o povo...Os fracos sempre serão fracos...o povo de certa maneira sempre continuará a ser o povo, a massa governada nunca será capaz de governar. Há duas classes: homens livres e escravos; o homem ao subjugar suas paixões, mas ele pode alcançar sua emancipação através da inteligência. Entre aqueles que ainda são livres e aqueles que não chegam a isso não há possibilidade de igualdade".

Crowley rejeitou a democracia pelas mesmas razões que assim fizeram Lévi, Evola e Guénon. Na “bíblia” Thelêmica O Livro da Lei, Crowley escreve sobre a democracia: “Vós sois contrários ao povo, ó meus eleitos”; sobre a qual Crowley também comentou: “A hipocrisia da democracia está condenada”.

Rejeitando a democracia e outros movimentos de massa como inerentemente alienígenas em relação à “Arte Real”, Crowley buscou desenvolver os aspectos políticos e sociais da Thelema, escrevendo de modo especialmente claro em sua “bíblia”, A Lei é para Todos: Regra Complementar ao Livro da Lei.

O Livro da Lei

Depois de ter previsivelmente perdido a liderança da Aurora Dourada, ele gastou a maioria do tempo viajando. Em 1904 Crowley e sua mulher Rose estavam no Egito, quando de acordo com Crowley, ocorreu um evento de importância “Aeônica”. Crowley afirma ter recebido uma mensagem escrita para o “Novo Aeon”, canalizada pelos “Deuses” através de uma entidade sobrenatural conhecida como Aiwas, de quem Crowley diz ter recebido o Liber Legis (Livro da Lei) por escrito. O que Crowley escreveu em um curso de três dias veio a ser conhecido como a bíblia de Thelema, uma palavra helênica que significa Vontade, a qual o Liber Legis proclama como o nome de sua doutrina.

Liber Legis se assemelha em parte a uma forma mística da filosofia de Nietzche, acompanhada de uma estridente rejeição das doutrinas de rebanho, incluindo-se aí o Cristianismo e a democracia. (Crowley arrola Nietzche como “santo” em sua Missa Gnóstica)

Sob a Thelema todas as doutrinas e sistemas que se restringem à satisfação da “Vontade” ou da “Verdadeira Vontade”, quer em seu aspecto social, econômico, político ou mesmo religioso, é realocada pela religião Crowleyita no novo aeon, o Aeon de Horus, “A Criança Conquistadora”. “Vontade” é a base da evolução Nietzcheana, e isso se torna claro à medida em que Crowley objetivava o estabelecimento de um Sistema Místico propriamente Ocidental de auto-superação na linha das antigas práticas yóguicas  de ascese com o fim de ativar os maiores estados do Ser.

“Fazei o que tu queres” é a fundamentação da Thelema.  Isso não foi dito num sentido niilista de “faça o que for conveniente ou o que você querer (em sentido amplo)”, mas sim “fazei o que for de vossa vontade”, id est, sua “verdadeira vontade”, que deve ser descoberta, aperfeiçoada, lapidada e purificada por rigorosos processos. Crowley constata que tal ditado “não deve ser interpretado como individualismo correndo à solta”.

Refletindo a “verdadeira vontade” individual, a doutrina Thelêmica descreve “todo homem e toda mulher [como] uma estrela”. Isto é, cada indivíduo como parte do cosmos mas com sua própria órbita; ou o que alguém poderia chamar de “curso da vida” a nível individual.

O Liber Legis estatui que “os escravos devem servir”. De novo, isto é Nietzcheano no sentido de que muitos indivíduos, provavelmente a vasta maioria, não têm a vontade de descobrir ou preencher sua própria “verdadeira vontade”. Enquanto todos são “estrelas”, alguns brilham mais que outras. Na Visão da Esponja de Estrelas, uma revelação astral, Crowley explicou a desigualdade como reflexo da “altamente organizada estrutura do universo” que inclui estrelas que são de “maiores magnitudes e brilho que todo o resto”. A grande massa cuja natureza é servil e incapaz daquilo que Nietzche considera como “auto-superação” permanecerá da mesma maneira como está, sendo sua verdadeira vontade nada mais que servir aos seus senhores que seguem – de novo em termos nietzcheanos – a “moral dos senhores”, aqueles que o Liber Legis descrevem como sendo os “Reis da Terra”, aqueles cujas vontades cintilantes são aquelas dos que governam. (Se alguma parte da prosa supostamente ditada a Crowley por Aiwas soa muito similar a Eliphas Lévi, provavelmente é porque o próprio Crowley dizia ser uma reencarnação daquele, isso entre muitos outros sábios das eras antigas até os tempos recentes, sendo o próprio Lévi um destes!)

Tal doutrina enquanto individualista, não é anárquica, niilista, ou mesmo liberal. Mas sim o reflorescimento e a restauração das castas. Isso implica em algo mais abrangente que simplesmente classes, que se restringem ao plano materialista e econômico; castas que refletem uma ordem metafísica na qual cada indivíduo cumpre sua função de acordo com sua própria vontade – ou dever, dharma – como manifestação da ordem cósmica. Para os seguidores da Tradição Perene, casta é a manifestação da ordem divina e não meramente uma divisão econômica de trabalho ou exploração.

Crowley (Ou Aiwas) explica que a doutrina anti-democrática e anti-igualitária da Thelema nestes termos, de novo se fundamenta em Nietzche:

"Nós não defenderemos os pobres ou aqueles tristes: os senhores da terra são a nossa raça e família. Nós somos beleza e força, risos e gargalhadas, langor prazeroso, força e fogo...Nós não temos nada nem nada devemos aos párias e rejeitados. Eles não devem ter tais sentimentos. Compaixão é o vício dos reis; Esmaguem os fracos e miseráveis: esta é a lei do mais forte; esta é a nossa lei e a alegria do mundo".

Esta ordem social hierárquica, de acordo com a tradição perene, estabelece uma nova aristocracia, sendo a velha nada mais que uma classe comercial e pertencente a esta classe. (O próprio Crowley era de origens burguesas, porém ele se auto-enobreceu com o título de “Sir Aleister Crowley”) Sob o “Aeon de Horus” a nova aristocracia consistiria em Nietzchianos que superariam a si mesmos. Crowley especificamente se refere à influência de Nietzche ao explicar o conceito Thelêmico: “Os maiores são aqueles que dominaram e transcenderam seu ambiente acidental...Há um bom aspecto do ponto de vista Nietzcheano nesta sentença”.

Entretanto, em contraste com Guénon e Évola, Crowley raciocina em termos darwinistas. Depois de se referir ao “ponto de vista nietzcheano” Crowley afirma em termos “darwinianescos”: 

“É a visão evolucionária e natural...O fim da natureza é extirpar e destruir os mais fracos. Tal ato é o mais misericordioso. No presente todos aqueles que são mais fortes estão perdendo e seu progresso sendo prejudicado pelo peso morto dos mais fracos, débeis e aleijados, os doentes e os atrofiados. Christianos ad leonem".

Crowley profetizou uma era de turbulência precedendo o Novo Aeon durante o qual as massas e a elite, ou a nova aristocracia, chegariam ao eminente conflito. Crowley também escreve sobre este prelúdio revolucionário ao Novo Aeon: “E quando os problemas acabarem, nós aristocratas da liberdade, dos castelos às casas de campo, das torres às terras de cultivo, teremos a multidão de escravos contra nós”.

Crowley descreve “o povo” como “aqueles hipócritas, abatidos, comida servil de cães açoitados os quais se recusam a admitir suas deidades...” A multidão indisciplinada ao capricho de suas próprias emoções, desprovidos de Vontade, é descrita como  a “natural inimiga do bom governo”. A nova aristocracia da elite governante serão aqueles que tendo descoberto e possuído sua “verdadeira vontade”, que têm dominado a si mesmos através da auto-superação, para usar um termo de Nietzche. A casta governante possuiria uma “política consistente” sem estar sujeita aos desejos emotivos das massas.

O Estado Thelêmico

A forma do governo Thelêmico é vagamente designada no Liber Legis, sugerindo uma espécie de Corporativismo: “Deixe que venha o estado da multiplicidade limitada e do tédio: não terás direito algum a não ser fazer o que desejas”. Contrário à interpretação anárquica e niilista dada acerca do “fazei o que tu queres” da Thelema, Crowley definiu o Estado Thelêmico como uma associação livre para o bem comum. A vontade individual e o dever social estariam harmonizados em acordo, e o indivíduo deveria estar “absolutamente disciplinado para servir a si mesmo, e ao propósito comum, sem atrito”.

Crowley explicou seu significado de modo que não o confundissem com anarquismo ou liberalismo. Enquanto que seu Liber Oz (“Direitos do Homem”) parece ser a fórmula para a total soberania individual isenta de qualquer limitação social, Crowley afirma: “Tal aforismo não deve ser confundido com individualismo correndo à solta”.

No que poderia se assemelhar  a um esboço próprio de uma “encíclica papal” acerca do bom governo, Crowley esclarece:

“Eu tenho estabelecido limites sobre a liberdade individual. Para cada homem em tal Estado o que proponho é o preenchimento de sua própria “Verdadeira Vontade” através de seu próprio consentimento em integrar a Ordem necessária ao Bem Comum, e assim de si mesmo, também”.

A rejeição da democracia por Crowley e de qualquer outra coisa relativa a “moral de escravos” necessitava de um novo viés acerca do Estado. Como outros de seu tempo, incluindo aí místicos como Evola e Yeats, Crowley se concentrava em tentar saber qual seria o futuro da cultura sob o reino do mercantilismo, materialismo e industrialismo. Ele temia a época de uniformidade atomizante das massas que estava emergindo. Ele via a igualdade como prenúncio da uniformidade, mais uma vez fundamentado na biologia:

“Não há criaturas na terra que sejam as mesmas. Todas elas, que sejam diferentes em suas qualidades, e que sejam iguais umas às outras. Aqui também se encontra a voz gritante da verdadeira ciência: 'Variedade é a chave da evolução'. Saibam então, ó meus filhos,  que todas as leis, todos os sistemas, todas as ideias e padrões que tentem criar uniformidade, estando em direta oposição em relação à vontade da natureza de mudar e desenvolver suas variedades, está fadada ao fracasso. Resistam todos vocês com toda virilidade contra estas forças, pois elas resistem àquilo que é a vida, pois elas são a morte".

Tais discursos mais biológicos que metafísicos são fundamentados sobre as diferenças entre a humanidade causadas por “raça, clima, e outras condições do tipo. E este padrão é baseado na interpretação de fatos da natureza biológica”.

Referindo-se à passagem no Liber Legis que afirma: “Vós sois contra o povo, ó meus escolhidos!” Crowley explica:

“A defesa da democracia está condenada. É inútil simular que todos os homens são iguais: os fatos demonstram o contrário. E não seremos como um rebanho, entediados e conduzidos, entre a multidão da humanidade”.

Thelema e Corporativismo

O Estado democrático como uma manifestação de igualdade e consequente uniformidade deve ser realocado pelo que em grande parte das vezes é denominado por “Estado Orgânico” ou “Estado Corporativista”. Esta concepção de Estado pode ser compreendida de forma biológica ao se analisar organismos, algo análogo a um corpo biológico (daí o termo “Corporativismo”) com diversos órgãos separados (indivíduos, famílias, ofícios e profissões, etc) funcionando de acordo com sua própria natureza enquanto contribui com a saúde e o estado de todo o organismo (sociedade), com o Estado cumprindo a função de “cérebro”, o órgão que coordena as outra partes. Na Inglaterra, o Corporativismo era chamado de “socialismo de guildas”, já entre a Esquerda Continental, de “sindicalismo”.

O Corporativismo também teve seu aspecto metafísico, sendo a base da organização social nas sociedades tradicionais, incluindo-se aí as guildas da Europa Medieval e as corporações de ofício da Roma Antiga. Nas sociedades tradicionais, guildas ou organizações sociais corporativas eram, como todo o resto da sociedade, vistas como uma manifestação terrena da ordem cósmica, o corpo divino, e as castas eram estabelecidas por critérios espirituais, éticos e culturais, de modo distinto das “classes” meramente econômicas das sociedades seculares atuais. Daí, o Corporativismo advogado por Evola como uma resposta tradicionalista à sociedade dividida por classes.

A concepção de Crowley de Estado orgânico é descrita em De Ordine Rerum:

“No corpo todas as células são subordinadas ao Controle fisiológico geral, e assim nós que efetivamos tal Controle não nos importamos com o fato de cada unidade individual desta estrutura (células, órgãos) não ser animada ou não ter controle fisiológico próprio.  Porém, nos importamos com que cada uma destas preencham sua função, com ânimo e harmonia, respeitando seu próprio papel como necessário e sagrado, sem que queira extrapolar o papel do outro. Apenas assim poderás construir um Estado Livre, cuja direção seja o Bem Comum”.

Daí que Crowley, longe de ser um misantropo, estava concentrado em livrar o indivíduo do destino de ser parte de uma massa nebulosa e prover a sustentação para o bem comum no seu aspecto material e além disso cultural, à medida em que sua natureza o leva a isso. O cultivo deliberado de sua imagem como o “mal” deve ser visto primariamente como um capricho perverso, um estilo, e em particular como o resultado do seu senso de humor pervertido, sua personalidade narcisista, além do resultado de sua educação na Fraternidade de Plymouth, também ao ter tido uma mãe que o chamava de Anticristo, o que parece ter exercido maior efeito em seus pensamentos e em todo o resto de sua vida.

Ócio, a Base da Cultura

Crowley tomou para si um grande problema para muitos teóricos heterodoxos  no campo social e econômico, que é o da redução das horas de trabalho em um novo sistema econômico que assegura abundância material a todos, além da libertação humana do jugo econômico.

Uma vez que as obrigações de ordem social forem atingidas, deveria haver “um excedente de ócio e energia” que deveria ser gasto com a “posse da satisfação individual”. Uma certa quantidade de tempo ocioso livre de qualquer forma de lazer ou possessões estritamente materiais é a base de toda cultura, e o florescimento desta durante a Era Medieval foi um exemplo disso, juntamente com a base espiritual da sociedade da época.

Crowley, como muitos defensores do Crédito Social e certos socialistas não marxistas ou reformadores sociais, desejavam mudar o sistema econômico reduzindo as horas de trabalho. Sues comentários sobre a função do dinheiro na sociedade são perspicazes. Assim como os defensores do Crédito Social, acreditava que uma mudança relativa à função da moeda é necessária para um modelo social e econômico alternativos. Ele certamente se informava nesse aspecto por meio da revista Nova Era de A. R. Orage (New Age magazine), onde o pensamento dos defensores do Crédito Social, dos Socialismo de Guildas, além de outros literatos era exposto. (Crowley se refere a tal jornal em outro contexto em sua autobiografia) Mas o mais importante é que antes de tudo ele conseguiu estabelecer sua política econômico-financeira:

O que é a moeda? Um meio de troca que objetiva facilitar o procedimento dos negócios. Como óleo em uma engrenagem. Muito bem, então: se ao invés de você deixar isso fluir o mais livremente o possível, ao mesmo tempo você obstaculiza sua verdadeira natureza; impede-se assim que se cheguem à Verdadeira Vontade. Assim, qualquer “restrição” sobre a troca de bens é uma violação direta à Lei de Thelema

Uma vez que o bem estar material do cidadão é assegurado, então a energia gasta em necessidades econômicas pode ser voltada à posse da cultura. Sob o Estado Thelêmico o cidadão é guiado pela casta governante a possuir os maiores estados do ser (da vida, da cultura), levado ao florescimento da cultura: “Encontrando-se o povo na maioria das vezes ignorante, incompreensível em relação ao prazer, que sejam instruídos na Arte da Vida”. Deste regime nasce uma alta cultura na qual cada cidadão terá a capacidade de participar e apreciar: “Estas coisas [bem estar econômico] sendo asseguradas, vós deveis antes de tudo guia-los aos Paraísos da Poesia e dos Contos, da Música, da Pintura e da Escultura, e a amar o pensamento em si mesmo, com a sua insaciável Alegria ao obter Conhecimento”.

Sob o Estado Thelêmico a cada indivíduo seria dada a oportunidade de preencher sua própria vontade. Crowley afirmou, todavia, que a maioria das verdadeiras vontades ou “estrelas” se resumiam  a uma satisfação material apenas, não tendo ambição alguma de ir além de “alegria fácil e bestial”, e que se contentariam com seu lugar na hierarquia. Àqueles cujas verdadeiras vontades é almejar maiores conquistas, seriam também a estes dada a oportunidade de assim, “estabelecer uma classe de homens e mulheres superiores intelectualmente e moralmente”. Neste Estado, enquanto as pessoas “não carecem de nada”, suas habilidades de acordo com suas naturezas seriam utilizadas pela casta reinante na busca por uma maior política e uma maior cultura.

Ofícios e Guildas

Crowley também se concentrou no problema da industrialização e no papel da máquina no processo de desumanização, ou o que é também denominado pelos Tradicionalistas como dessacralização:

“As máquinas ainda têm chegado perto de completar a destruição das corporações de ofício. Um homem não é mais um trabalhador, mas um operador de máquinas. O produto é padronizado; o resultado, mediocridade...Ao invés de cada homem e cada mulher ser uma estrela, nós temos uma amorfa massa de insetos".

De acordo com sua defesa do estado orgânico e com a ressacralização do trabalho como ofício, Crowley expôs a guilda como a base da organização social Thelêmica. A guilda é a unidade fundamental de sua própria ordem esotérica, a Ordo Templi Orientis (OTO):

“Em frente ao Areópago se encontra um independente Parlamento das Guildas. Na Ordem, independentemente da Graduação, os membros de qualquer ofício, tradição, ciência ou profissão moldam a si mesmos dentro da Guilda, legislando, exercendo sua própria função, em todos os aspectos pertencentes ao seu trabalho e ao significado do seu estilo de vida. Cada Guilda elege o homem mais notável para representa-la ante o Areópago do Oitavo Grau; e todas as disputas entre as várias guildas são levadas a cabo diante deste Corpo, o qual decidirá de acordo com os princípios maiores da Ordem. Suas decisões passam pela ratificação do Santuário da Gnose, e então são encaminhadas para o Trono”.

Esta organização da OTO em guilda nos representa a sociedade como um microcosmo da ordem social que Crowley estabeleceria sob um regime Thelêmico: “Assim, verdadeiramente, as coisas nada mais são que reflexos umas das outras; o homem nada mais é que um mapa do universo, e a Sociedade nada mais é que o mesmo em uma maior escala”.

Na visão de Estado Corporativo de Crowley, cada profissão autônoma é representada num “parlamento de guildas”. Este sistema corporativo foi muito defendido como uma alternativa entre capitalismo e Marxismo e foi defendido por Evola e D’ Annunzio, sindicalistas, e Católicos Tradicionalistas. De modo embrionário isso foi inaugurado por Mussolini. Ironicamente, foi a Áustria de Dollfuss e o Portugal de Salazar que aplicaram o corporativismo da Doutrina Social Católica de modo mais próximo da perspectiva Crowleyana.

A Hierarquia do Estado Thelêmico

Crowley denomina a massa popular sob seu sistema de governo como os “Homens da Terra” que não têm alcançado um estágio de desenvolvimento apto a uma participação no governo, e que seriam representados diante do Rei como aqueles destinados a servir. As castas governantes abrangeriam um Senado que seria um Colégio Eleitoral, os indivíduos que integrariam tal casa o fariam através da renúncia pessoal, incluindo-se aí a renúncia à propriedade e à riqueza, fazendo assim um “voto de pobreza”. Obviamente o sufrágio universal não encontra lugar algum na eleição do governo Thelêmico:

“O princípio de eleição popular é uma burrice é fatal; seus resultados são visíveis em todos os regimes denominados “democracia”. O homem eleito é sempre o medíocre; ele é o homem que quer apenas segurança; o homem uníssono, o homem que se ajoelha ante a maioria como nenhum outro; e nunca o gênio, o homem do progresso e do esplendor”

O Colégio Eleitoral é selecionado pelo Rei em meio aos voluntários que demonstram tanto dotes atléticos quanto intelectuais, além de um “profundo conhecimento geral” da história, da arte, do governo e da filosofia.

Este sistema corporativo e monárquico era designado com o fim de “unir todos os fios da paixão humana e das emoções, e tecê-los formando uma peça harmônica...” refletindo assim a ordem do cosmos.

Crowley e o Fascismo

O poeta italiano e veterano de guerra D’ Annunzio foi quem mais provavelmente chegou perto de realizar na prática o ideal Thelemita no Estado Livre de Fiume, um regime estabelecido com parâmetro nas artes e na estética que atraiu numerosos rebeldes, de anarquistas e sindicalistas a nacionalistas. Crowley não menciona D’ Annunzio em sua autobiografia, mesmo tendo ele passado um tempo na Itália em 1920, quando a experiência de D’ Annunzio termina em Dezembro daquele ano.

Em relação aos Fascistas Italianos, Crowley escreve: “Por algum tempo eu me interessei pelo Fascismo, movimento pelo qual nutri total simpatia mesmo excluindo sua ilegitimidade em um país no qual toda a autoridade constitucional se tornou nada mais que letra morta”. Ele enxergou os Fascisti  de modo poético, descrevendo as patrulhas dos camisas-negras como “charmosos”. “Eles tinham toda a pompa de soldados saídos de uma ópera”. Assim como na “Marcha de Roma”, Crowley elogiou o comportamento dos Fascisti como “admirável”.

Porém, rapidamente se desiludiu, e viu em Mussolini o típico político cujos princípios políticos se resumem ao apoio popular. A natureza de massa do Fascismo também causou suspeitas em muitos literatos que no início o apoiaram, como Wyndham Lewis e W. B. Yeats. Crowley observou todo o processo e o desenvolvimento do movimento em Roma por três dias, e ficou desapontado pela aliança de Mussolini com a Igreja Católica, quando considerou aquele como “O mais poderoso inimigo”. E com certeza o hábito de criticar é mais comum entre os simples observadores que os participantes e protagonistas das mudanças. Críticos se dão ao luxo de teorizar sem nem botar em prática suas teorias.

Crowley mudou-se então para Cefalu, onde estabeleceu a “Abadia de Thelema” em uma casa que se encontrava aos pedaços. A morte do seguidor Raoul Loveday resultou na expulsão de Crowley da Itália em 1923, em um tempo no qual ele se tornou um constrangimento para o regime Fascista.

Entretanto, um notável indivíduo que discerniu o elemento proto-fascista na Thelema, antes mesmo de chegar a ser o porta-voz do Fascismo Britânico de Sir Oswald Mosley foi J. F. C. Fuller, que também ficou conhecido por ser o arquiteto da aplicação de tanques na guerra moderna além de brilhante historiador militar. Fuller foi um discípulo de Crowley em 1905, e um de seus mais antigos seguidores. Ele foi, como Crowley, um nietzcheano com interesses em ocultismo que considerava o socialismo como um credo das manadas: “a escória do caldeirão democrático”. Sua oposição ao Cristianismo era similar à de Nietzche.

Fuller conheceu Crowley em Londres em 1906 quando escreveu a primeira biografia de Crowley, A Estrela no Oeste (The Star in the West), sendo também o vencedor (e único participante) de uma competição para promover a poesia deste. Apesar de o interesse de Fuller em misticismo e ocultismo serem de longa data, ele cortou relações com Crowley em 1911, envergonhado pelo comportamento deste que alimentava as manchetes da mídia. 

Em 1932 Fuller ainda falava e escrevia sobre o socialismo e a democracia em termos nietzcheanos como produtos do Cristianismo. Ao entrar na União Britânica de Fascistas e ao se tornar conselheiro militar de Mosley, Fuller continuou firme em tal movimento, mesmo depois da II Guerra Mundial, porém continuou se recusando a manter contato com Crowley.

***

Enquanto que Fascistas (particularmente “fascistas-clericais” ou nacional-católicos), socialistas defensores das guildas, defensores do Crédito Social, Distributistas, sindicalistas et caterva atentaram-se em resolver os problemas da era das máquinas, além de Evola ter oferecido um esboço de um plano prático no Homens entre as Ruínas, As concepções sociais Thelêmicas de Crowley mantiveram-se ofuscadas pelo seu aspecto místico, e pouquíssimos de seus seguidores deram alguma atenção para a implicação política ou a implementação da Thelema.

Crowley, um poeta e um místico, não um agitador ou um político, teve sua própria concepção de ciclos históricos (mesmo que de alguma forma limitado), na qual o Aeon de Horus, uma nova era de “força e de fogo”, emergiria tendo ele como seu profeta. Assim como Marx afirma que a vitória do comunismo seria um inexorável fim do processo histórico, Crowley imaginou que a ordem mundial Thelêmica ascenderia como resultado das inevitáveis leis cósmicas. Não obstante, assim como Marx conclamou os socialistas a serem agentes de seu processo histórico, Crowley enxergou que as provações e sacrifícios  demandadas de sua Ordem Sagrada levariam os Cavaleiros de Thelema à ascensão, os quais promoveriam uma jihad contra todas as outras crenças velhas e anacrônicas:

“Nós devemos lutar por liberdade contra os opressores, sejam estes no aspecto religioso, social ou industrial, e nos manteremos radicalmente opostos a qualquer pacto, toda luta deve ser uma luta até o fim; cada um por si, para realizar sua intrínseca vontade, e todos por todos, com o fim de estabelecer a lei da Liberdade....Que todos os homens peguem em armas, que subitamente se revoltem contra toda opressão...generosos e ardentes para desembainhar suas espadas por qualquer causa para a qual a justiça e a liberdade os conclamem”